terça-feira, 30 de outubro de 2007

Dia 34 e 35 - São Petersburgo

17 e 18 de outubro

Rússia, Rússia, Rússia. Esse nome sempre soou tão distante nas aulas de História ou nas notícias de TV que talvez nunca nem passou pela nossa cabeça que um dia poderíamos ir para lá.

Mas fomos. E podem começar a se preparar porque temos muita coisa pra contar.

Mapa

Bom, vale a pena aqui gastar um tempinho a mais detalhando todo o sofrimento pelo qual um turista tem que passar para visitar esse país. Vamos enumerar, para ficar tudo mais simples:

1) Um visto!!! Apenas cidadãos das ex-repúblicas soviéticas como Belarus, Ucrânia e Cazaquistão não precisam de visto para entrar na Rússia. Ou seja, nós, brasileiros, podemos entrar sem visto na Inglaterra, Alemanha, França, Suécia, Noruega, mas não na Rússia. Mas além disso, esse visto não é um visto normal, porque para conseguir ele você precisa (além de pagar uma taxa de 150 doletas) de uma...

2) Carta convite!!! Essa é uma maneira que os russos conseguiram para ganhar mais grana em cima do pessoal. Você é obrigado a pagar mais 40 dólares pra uma das trilhões de agências que existem na Rússia só para emitir carta-convites. Mas não é aí que termina a burocracia, pois aindia é necessário...

3) Registrar o visto!!! É, em menos de 3 dias desde sua chegada ao país você é obrigado a ter o visto registrado, caso contrário você pode ser preso ou obrigado a pagar uma multa de mais 150 doletas. Reminescências do antigo estado soviético, KGB e etc, provavelmente. E como faz pra registrar o visto? Essa é uma boa pergunta, já que na Rússia você tem que lidar com o fato de que...

4) Ninguém fala inglês!!! Tipo, tá certo que ninguém é obrigado a saber nenhuma língua estrangeira, mas lá nem mesmo aquele pessoal que você tem certeza que falaria fala, como por exemplo balcão de informação do aeroporto ou pasmem, até o agente de imigração. Tentamos perguntar para ele como fazia pra registrar o visto e o cara quase tomou nossos passaportes e não deixou a gente entrar no país. E esse não é o único problema de comunicação pelo qual tivemos que passar não, pois lá na Rússia...

5) O alfabeto é diferente!!! Imaginem só a situação: dois brasileiros vão de Estocolmo a São Petersburgo com escala em Moscou, no aeroporto Sheremetyevo. Chegando no primeiro destino, eles descobrem através da moça do balcão da companhia aérea que parcamente falava inglês que o terminal internacional é separado do doméstico, e que eles teriam que pegar um ônibus que nos levasse até o outro. Parece fácil, mas alguém aí sabe como se escreve Sheremetyevo em russo? Шереметьево. Pois então, ficamos perdidinhos, tentando achar algo parecido com isso nas placas do ponto de ônibus enquanto dezenas de motoristas de táxi e vans particulares ficavam enchendo o saco, e isso tudo aguentando o frio de neve (é isso mesmo, Moscou estava coberta de neve quando chegamos).

É claro que nessa confusão toda, acabamos perdendo o nosso vôo pra São Petersburgo. Mas no final das contas, acabamos dando conta de pegar um outro no mesmo dia, de tomar o ônibus certo que saía do aeroporto pra estação do metrô e de chegar no albergue são e salvos. Nessa primeira caminhada noturna que fizemos até lá já deu pra sentir o clima da cidade:

Avenida Nevskiy Prospect à noite

É, o centro de São Petersburgo é lindo, muito mais do que poderíamos ter imaginado. E o melhor, sem neve. No outro dia de manhã, quando fomos passar, descobrimos que essa Nevskiy Prospect é a avenida principal da cidade, a mais larga e a mais bonita também.

Ela de dia

E ao vencedor, as batatas

Ela é bem comprida, e corta todo o centro de São Petersburgo até o Rio Neva. Depois de cruzarmos alguns canais e várias outras redes de fast-food americanas, chegamos no nosso primeiro destino turístico: a Catedral Kazan.

Na hora não sabíamos, mas depois fomos descobrir que existem várias outras catedrais com o mesmo nome espalhadas pelo país. A explicação é que Kazan era a antiga capital do reino tártaro, e quando os russos finalmente dominaram a região o czar mandou construir pelo menos uma em cada cidade importante para comemorar sua vitória.

Essa de São Petersburgo era bonita por fora...

Catedral Kazan

...mas o que vimos lá dentro foi inacreditável. Entramos bem no meio da missa, e podemos afirmar que nunca esqueceremos do momento em que vimos pela primeira vez o culto da Igreja Ortodoxa.

Abre parênteses: a Rússia também é cristã, mas não é católica romana nem protestante, é ortodoxa. Quando o Império Romano se dividiu, a parte ocidental (que hoje é França, Alemanha, Espanha, etc) se desintegrou rapidamente, mas a oriental (Turquia, Grécia, Bulgária, etc) continou existindo por mais um milênio. E foi nessa parte que a religião ortodoxa se desenvolveu, e de lá se espalhou para a Rússia.

Lá dentro não era permitido tirar fotos, mas nós também nem nos atreveríamos. A cena parecia mágica, e cremos que só quem também já viu uma missa ortodoxa sabe do que estamos falando. Não é um padre que dá o sermão; são vários, divididos em vários grupinhos espalhados pela igreja comandados pelo sacerdote principal, que fica no altar. E o sermão não é falado, é cantado, e é impossível achar palavras para descrever a beleza desse canto. O som vinha em inúmeros tons e de vários lugares diferentes, e enquanto um grupo parava de cantar, o outro começava, e isso deixava qualquer um emocionado. Depois ficamos saber que cada culto dura cerca de 3 horas, e em tempo algum os sacerdotes param de cantar.

A atmosfera de dentro da Igreja também era fascinante. Tudo é marrom e dourado, e não existem bancos ou estátuas, apenas imagens e pinturas nas paredes que ficavam ainda mais douradas com o tremular das velas que as senhoras russas vinham acender. Enquanto os sacerdotes cantavam, uma quantidade absurda de velhinhas caminhava prum ladro e pro outro, beijando cada um dos símbolos, encostando a testa, fazendo em-nome-do-pai, ajoelhando-se no chão e dobrando o corpo em reverência. E isso acontecia por toda a igreja, com gente entrando e saindo sem parar, já que não é costume deles assistir as três horas de culto mas apenas dar uma passada e ficar ali por alguns minutos.

Saímos de lá atordoados, e foi só voltar para a Nevskiy Prospect que demos de cara com a construção mais bonita que vimos em toda São Petersburgo:

Igreja do Salvador no Sangue

Parece um brinquedo de criança, não é mesmo? Diz Ricardo que as torres são feitas de maria-mole, hehehe. Mas que é lindo é. E como foi a primeira igreja desse tipo que vimos na Rússia ficamos completamente boquiabertos. A gente foi andando na direção dela, e quanto mais perto chegávamos mais impressionado ficávamos.

Ela, de pertinho

Sua construção é recente, data do século XIX mesmo. E uma história curiosa: durante a época do comunismo, o ateísmo oficial propagado pelo Estado fez com que essa igreja fosse usada por mais de 40 anos como depósito para vegetais. O nome em português parece esquisito, mas pelo que pesquisamos deve ser esse mesmo.

Nos dois dias e meio que passamos em São Petersburgo nós tentamos entrar nessa igreja, mas foi só no último que descobrimos que estava fechada por algum motivo obscuro (o\ papel tava em russo somente! sem tradução!) exatamente nesses três mesmos dias... É uma pena, pois lemos no nosso guia que dentro dela está o maior mosaico do mundo.

Mas sei lá, acho que também já nos contentamos em só a contemplar do lado de fora mesmo :)

Ela, do outro lado

Continuamos nosso passeio seguindo a Nevskiy Prospect até o final, onde ela termina bem em frente à Catedral de São Isaac.

Catedral de São Isaac

O prédio é enorme e bonito, mas depois de vermos a Igreja do Salvador no Sangue pareceu meio normal demais, talvez. A arquitetura é estilo romano, igual à Catedral Kazan que visitamos mais cedo, e o prédio foi construído no meio do século XIX. Não sei se dá pra ver direito pela foto, mas reza a lenda que domo dourado é ouro puro, quase 100 kilos.

Dava pra entrar lá dentro e subir na torre pra ver a cidade, mas incrivelmente e por um motivo quiçá mais obscuro ainda ela também estava fechada pelos três dias que estávamos na cidade

Ali do lado ficava o Palácio de Inverno da realeza russa, na época em que a capital era São Petersburgo (entre 1703 e 1917). Agora é hora de testar o conhecimento histórico de novo: alguém aqui sabe que praça é essa?

Praça do Palácio

Foi exatamente nesse local que três grande reviravoltas na história russa aconteceram. Primeiro, no século XVIII, Catarina a Grande deu um golpe de estado e derrubou o czar Pedro III, seu marido. Depois, em 1905, Nicolau II ordenou um massacre dirigido a operários que manifestavam nesse mesmo local no que hoje é conhecido como "Domingo Sangrento".

Esse massacre antecipou a revolução de 1905, e foi aqui também que em 1917 Lenin e seus bolcheviques tomaram o poder e começaram a Revolução Russa, que transformou o país em socialista e transferiu a capital para Moscou.

No Palácio de Inverno, que fica bem ali atrás, hoje existe o Hermitage, que é simplesmente a maior coleção de obras de arte do mundo. Tudo começou com 255 quadros comprados por Catarina A Grande, e hoje o Hermitage possui mais de 3 milhões de peças, das quais apenas 5% ficam expostas de cada vez.

Palácio De Inverno, onde fica o Hermitage

É óbvio que entramos lá dentro, e a entrada é deliciosamente grátis para estudantes. E é óbvio que gastamos o resto da tarde percorrendo uma infinidade de salas, corredores, quartos, halls e etc.

E também deve ser óbvio que era proibido tirar foto lá dentro, mas podem ter certeza que o passeio foi ótimo. Além de obras de Da Vinci, Michelangelo e de vários outros artistas ocidentais e russos, o Palácio ainda exibia quartos decorados exatamente como eram na época em que ele ainda era um palácio, e eles eram simplesmente incríveis.

Assim acabou o nosso primeiro dia, gastos até o talo.

No segundo, aproveitamos a manhã para caminhar até o outro lado do rio Neva até a Fortaleza de Pedro e Paulo. No caminho, passamos por uma mesquita, que era um prédio todo diferente, bem bonitão.

Mesquita

Se ela tem nome ou não tem, não sabemos. Fomos lá para tentar olhar e um pessoal começou a perguntar coisa pra gente em árabe, então simplesmente desistimos e continuamos em direção à Fortaleza.

Essa foi a primeira pegadinha que encontramos na Rússia. O lugar parecia ser bem legal, mas chegando lá descobrimos que não passava de uma fortaleza mesmo, cheias de barracas militares sem graça. O único prédio talvez mais bonitinho era a Catedral de Pedro e Paulo, que supostamente guarda os restos mortais de Pedro O Grande, o czar que construiu São Petersburgo.

Catedral de Pedro e Paulo

Mas o mais legal mesmo foi caminhar até lá. As ruas de São Petersburgo são lindas, sem exceção. Pra cada canto que você olha dá a sensação de ter achado uma foto perfeita.

Em São Petersburgo

Passamos por vários parques também no caminho. Era legal observar as pessoas, já que os russos são diferentes e se vestem diferentes do que qualquer outro povo na Europa. Talvez esse fato tenha sido o mais legal de ter ido na Rússia, mas só fomos descobrir isso mesmo em Moscou. Mas isso é assunto pra depois.

Pessoal no parque

Uma outra coisa que chamava a atenção sempre que andávamos era o jeito que a galera estacionava os carros. Os russos paravam de qualquer jeito, enfiando metade do carro no passeio e deixando a outra metade no meio da rua. E durante todo esse tempo que andamos por lá, não vimos sequer uma placa de proibido estacionar.

Baliza pra eles não existia; tinha carro em cima do passeio, a 4 metros do meio fio, virado em 45 ou 90 graus, tudo sem fazer sentido nenhum. Mas é isso aí, viver bem é viver simples, não é mesmo? :D

Baliza, pra quê?

Da fortaleza, preferimos voltar usando o metrô. O metrô dessa cidade é muito engraçado. É tudo meio velho, como se o lugar fosse construído no início do século e nunca mais reformado. Talvez foi isso mesmo que aconteceu, vai saber. Tem até ascensorista de escada rolante, uma tiaziha que fica numa cabine fazendo sei lá o quê.

Dizem que o metrô de São Petersburgo é o mais profundo do mundo. Se é verdade não dá pra afirmar, mas que parece parece.

O metrô

Fomos parar ao lado do Monastério de Alexander Nevskiy. Esse monastério ainda está em atividade, e ainda é até hoje um dos mais importantes locais de peregrinação dos fiéis russos. A entrada era linda.

Entrada do Monastério

Do lado de dentro existem várias igrejas, mas todas bem mal cuidadas, quase caindo aos pedaços. Tinha um pessoal restaurando quase metade do lugar, mas ainda tava meio mais ou menos. O mais bonito mesmo eram os jardins e o monastério em si.

O monastério e uma das igrejas restauradas

Lá também haviam dois cemitérios, um das personalidades (onde estão enterrados o escritor Fyodor Dostoevsky e o músico Tchaikovsky, dois são-petersburguenses de renome) e outro dos comuns. O preço pra entrar entrar no dos famosos era absurdo, quase 10 dólares, e como cemitério é tudo igual mesmo, demos uma olhada no dos normais.

Nós vimos vários símbolos esquisitos e diferentes, incluindo até uma estrela vermelha do comunismo. Mas o que mais se repetia era a cruz ortodoxa:

Túmulo e cruz ortodoxa

Depois disso, ficamos passeando pelos parques e observando o pessoal. Tinha um chamado Campo de Marte, literalmente, e lá havia uma chama eterna em homenagem aos soldados russos mortos na Segunda Guerra. Do lado ficava os Jardins de Verão, um parque meio fechado e escuro que ficava bem na frente do Palácio de Verão.

Ficamos procurando esse Palácio de Verão por quase uma hora, já que o guia indicava esse lugar como ponto turístico. Mas tava meio difícil de achar, então ficamos rodando e rodando dentro do parque até chegar na segunda e maior pegadinha do dia.

O "grandioso" Palácio de Verão

Esse palácio foi decepcionante, mas óbvio que nem chegou perto de estragar o nosso passeio por São Petersbugo. Depois, fomos descobrir que essa cidade havia sido fundada por Pedro o Grande como sua "janela para o oeste". Por isso, ele contratou vários arquitetos e paisagistas ocidentais (franceses, principalmente) para construir os palácios e os prédios do centro que hoje é histórico.

Por isso achamos que em São Petersburgo faltou aquele toque "russo" como esperávamos que ia ser. Isso acabamos encontrando em Moscou, onde passamos três dias que iremos contar a seguir.

Mas por favor, não pensem que não gostamos de lá não. Achamos a cidade maravilhosa e impressionante, tanto pelas suas construções como pelo pouco que conhecemos do seu povo e da sua história.

Adeus, São Petersburgo

Da estação, nos despedimos da cidade e pegamos o trem noturno para a capital, 600 quilômetros ao sul.

5 comentários:

Unknown disse...

As lâmpadas são penduradas nos fios?
Vcs sempre falam que se decepcionam com lugares que nas fotos parecem ser legais!! Também né, depois de ver tanta coisa maravilhosa, vcs devem estar um pouco mais exigente. E o que seria uma viagem sem pegadinhas hein Digo?? O vulcão de Las Vegas foi o ponto alto da viagem! hauhauah
Bjooosss
Saudades imensas!!

Anônimo disse...

Tentando humildemente me remidir pelo email de dicas da Bélgica que nunca veio, eu indico o lugar mais legal que eu fui na europa em termos de "coisas culturais contemporâneas": em Berlin tem um prédio abandonado que foi ocupado por artistas underground e gente de todo o tipo. O site do lugar eh http://super.tacheles.de/cms/ (tem em inglês! Yay!), a entrada é grátis. Em cada andar tem umas salas e você vai subindo e descobrindo cada coisa; exposicoes de street art, venda de camisetas "anti-imperialistas" e até rock chinês tocado por não-chineses tinha lá quando eu fui.
A surpresa fica pro último andar, que é uma semi-cobertura-bar ( friiiiio! ) onde você senta nas poltronas velhas e fica assistindo projeções nas paredes do prédio em frente.
Se eu não me engano, dá pra pegar o s-bahn (bonde) em friedrichstraße e descer em orianenburger tor, ou algo do tipo, de todo jeito tem orientações no site.
Ah! E o único museu que a gente achou que valia a pena pagar por lá foi o Pergamon, tem uma reconstrução da babilonia e uma exposicao de arte muçulmana muito legal, sem contar com a reconstruçao de uma parte da grécia que tambem é um tanto quanto de tirar o chapéu. Eu sei que na Alemanha todos os museus tem um dia na semana que a entrada é grátis, entao é só perguntar, eles falam ingles com sotaque britânico super charmoso.

Muito legal! Foi minha cidade preferidade junto com Amsterdam =]

Ah!
E deu uma vontade incrontrolável de ir pra São Petersburgo. =]

Beijos para vocês
e boa viagem.

(espero que o comentário chegue a tempo!)

Unknown disse...

Bela e Rô,
Estou adorando curtir a viagem de vocês via blog. Parece que estou viajando junto! Fico com aquela sensação: um dia eu quero fazer isto também!!! Aventura e cultura pro resto da vida, né?!
Ah se na época da escola fosse possível fazer excursões para cada um destes lugares... Teoria e prática juntas; teria sido muito mais fácil aprender!!!
Beijão enorme para vocês,
Nina.

Unknown disse...

Rô,
concordo com sua mommy: coloca fotos do casal!!!

Anônimo disse...

Olá pessoal, estou simplesmente encantado, deslumbrado e sobretudo emocionado. Vocês são demais. E o sufoco, hein?? Faz parte de uma viagem/aventura do tipo que vocês estão fazendo. Parabéns mais uma vez.

Fiquem com Deus!!

Beijos,

Pai